ARTIGO: MUNICIPALIZAÇÃO E CIDADANIA

O cenário educacional contemporâneo apresenta-se ao mesmo tempo complexo e desafiante. O caráter contraditório das políticas educacionais e as novas demandas da população a ser escolarizada geram uma crise paradigmática sem precedentes. Pesquisas recentes comprovam que a exclusão social no mundo e mais especificamente no Brasil atinge proporções alarmantes. Na América latina quase metade da população está abaixo da linha da pobreza e há uma acentuada deterioração das classes médias, que estão se convertendo em “novos pobres”. Na chamada “aldeia global”, a emergência de novos paradigmas coloca em discussão a redefinição do papel do Estado e atribui ao sistema educacional demandas que exigirão, ao mesmo tempo, a reformulação das políticas públicas e o envolvimento cada vez maior da comunidade na construção de novos padrões de desenvolvimento.
Nesse contexto, a municipalização do ensino fundamental proposta enquanto estratégia que fortalece o poder local torna possível vislumbres de participação, democratização e visibilidade do ensino público, que por sua vez, se torna, a cada dia, maior e mais complexo e função do aumento e diversificação de sua clientela.
Isso posto, é preciso rever o debate acerca da municipalização do ensino fundamental e verificar a efetividade de questões imediatas relacionadas com a melhoria da qualidade do ensino público oferecido no município. Trata-se de avaliar, portanto, em que medida a proximidade com o poder público favorece o acesso ao conhecimento àqueles que mais precisam dele.
Em primeiro lugar, é preciso estabelecer a distinção entre poder local e poder municipal, pois quanto mais conservador e centralizador o governo, menor o poder de participação popular, e conseqüentemente maior o risco da municipalização do ensino fundamental ser entendida como prefeiturização, perdendo o objetivo de elevar o patamar da qualidade do ensino no e do município, pois o aluno da escola pública tende, nesse caso, a ser rotulado como municipal ou estadual, e não como estudante de São José do Rio Preto.
Em segundo lugar, é preciso que a proximidade com o poder público seja desencadeadora de um aumento no nível de participação da população, que, por sua vez, necessita ser educada para qualitativamente reivindicar direitos que são coletivos por natureza. O direito do acesso ao conhecimento e à educação de boa qualidade só poderá ser exercido a partir do momento que a população reconheça parâmetros educacionais que não se limitem a ações políticas compensatórias e assistencialistas. O ensino público de qualidade deve ser entendido como um direito e não um favor de um ou outro governante. Trata-se, portanto, de um dever do poder público, que deverá ter a clareza que educação tem que ser vista sempre com investimento e nunca como gasto.
Finalmente, é preciso ter claro o que se entende por qualidade de ensino, uma vez que muitas decisões são tomadas a partir de visões reducionistas sobre o que vem a ser um ensino público de boa qualidade.
A visão neoliberal de educação trabalha com um conceito de qualidade a partir de critérios quantitativos, reforçando uma concepção neoliberal e conservadora de educação, valorizando-se o acúmulo de informações contidos nos conteúdos de ensino.
Todavia, educação não é apenas informação e o conceito de qualidade de ensino numa perspectiva democrática relaciona-se diretamente com a aprendizagem de valores e conhecimentos e a possibilidade de sua aplicação no exercício de uma cidadania plena e na construção de uma sociedade melhor.
Tais reflexões são necessárias para que o sentido de inclusão e de participação social implícito na municipalização do ensino possa ser de fato, associado a uma educação libertadora, que torne o aluno capaz, com autonomia e responsabilidade de exercer seus direitos e deveres perante uma sociedade que se pretenda solidária, democrática e mais humana.


Publicado no Diário da Região, São José do Rio Preto em 08 de abril de 2005

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