ARTIGO: MUNICIPALIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL

O processo de municipalização do ensino fundamental traz muitas inquietações, uma vez que se dá em um contexto de transformação mundial no qual a tensão entre o global e o local instala-se como determinante, tornando evidente o desafio de articular os interesses individuais com os interesses gerais. Há uma série de mudanças carregadas de conseqüências tanto para o presente quanto para o futuro de nossa sociedade.
Tais mudanças fazem parte de um contexto maior, são relacionadas com a globalização e têm conseqüências que extrapolam o universo econômico, provocando uma descaracterização cultural, à medida que ignoram regionalismos e especificidades locais, uniformizando padrões de consumo, comportamentos, valores éticos e estéticos.
No Brasil, a proposta de municipalização, não se constitui em inovação propriamente dita. O movimento pela descentralização faz parte do conjunto de reivindicações que situam a participação da comunidade como fator fundamental para a democratização da sociedade.
A autogestão do ensino fundamental no e pelo município é deliberadamente colocada a partir da Constituição de 1988 que deu aos municípios uma certa autonomia administrativa. Porém, a municipalização, por si só, não garante a democratização do ensino, nem a descentralização do poder de decisão assegura a participação da sociedade. O risco de que os recursos não sejam suficientes para administrar o ensino fundamental, podem ameaçar à qualidade da educação oferecida neste nível de ensino.
Nesta direção, a LDB 9394/96 instituiu a implantação dos Conselhos Municipais de Educação, seguida de perto pela Lei 9424/96, que orientou a efetivação dos Conselhos de Acompanhamento e controle Social do FUNDEF, também conhecido como “Conselho Gestor”.
Embora Estados ou Municípios em que o Conselho não estivesse constituído não deixassem de receber os recursos do FUNDEF, seriam considerados em situação irregular, à luz das disposições legais vigentes, sujeitando-se os responsáveis às sanções administrativas civis ou penais cabíveis.
Porém as leis não bastam para que floresçam os ideais democráticos e a participação social ocorra. É necessário ampliar os fóruns de decisão política, permitindo a incorporação de novos sujeitos sociais como protagonistas, contribuindo para a criação e consolidação de novos direitos e para a superação da cultura assistencialista que pode tornar ainda mais fracos os segmentos mais empobrecidos da classe trabalhadora.
Nesta ótica, o poder local, aqui representado pelos municípios, precisa definir estratégias de participação e critérios de eleição e representatividade dos Conselhos Municipais para que, enquanto instâncias deliberativas e consultivas, estes possam, de fato, representar os interesses do conjunto de cidadãos. Deve-se garantir a construção de uma nova política sem reprisar práticas elitistas ou pouco democráticas.
Reconhecidos como canais de participação legalmente constituídos, os Conselhos Municipais tendem a se tornar o locus privilegiado para ampliação da cidadania, assumindo a tarefa de acompanhar, fiscalizar e deliberar sobre as demandas da população e as políticas sociais formuladas para atendimento delas.
Para assumir tais funções, no entanto, é preciso lidar com as questões públicas de maneira pública, alargando a visibilidade dos processos e contribuindo para a criação e consolidação de novos direitos.
A construção de uma cultura de participação requer, nestes casos, a redefinição de conceitos ligados à ética, a solidariedade, e à inclusão social. Pode-se afirmar, neste sentido, que a educação tem a desempenhar um papel fundamental para que o fortalecimento da cidadania seja vivenciado através da participação e da democratização das políticas públicas.

Publicado na Folha de Rio Preto em 24 de abril de 2005